Enquadramento - Bases Conceituais

A Política Nacional de Recursos Hídricos estabelece como um de seus fundamentos que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas.

Os vários usos da água possuem diferentes requisitos de qualidade. Por exemplo, para se preservar as comunidades aquáticas é necessária uma água com certo nível de oxigênio dissolvido, temperatura, pH, nutrientes, entre outros. Em contraste, para a navegação os requisitos de qualidade da água são bem menores, devendo estar ausentes os materiais flutuantes e os materiais sedimentáveis que causem assoreamento do corpo d’água.

Portanto, os usos da água são condicionados pela sua qualidade. As águas com maior qualidade permitem a existência de usos mais exigentes, enquanto águas com pior qualidade permitem apenas os usos menos exigentes.

O enquadramento de um rio, ou de qualquer outro corpo d’água, deve considerar três aspectos principais:

I) O rio que temos


Foto: Despejo no Riacho do Bodocongó. Campina Grande/PB. Paulo Libânio

O “rio que temos” representa a condição atual do corpo d’água, a qual condiciona seus usos. Neste caso podemos ter as seguintes situações:

· O rio apresenta boa condição de qualidade, sendo capaz de atender todos aos usos da água atuais ou previstos. Neste caso, devem ser tomadas ações que evitem sua degradação, de modo a garantir seu uso múltiplo no futuro.

· O rio apresenta alguns parâmetros de qualidade da água que impedem alguns usos água, sendo necessárias ações específicas de controle das fontes de poluição.

· O rio apresenta altos níveis de poluição para a maioria dos parâmetros, não permitindo a maioria dos usos, principalmente os mais exigentes como a preservação da vida aquática. Neste caso são necessários maiores investimentos e prazos para sua despoluição.

II) O rio que queremos


Foto: Eraldo Peres/ Banco de Imagens da ANA

O “rio que queremos” representa a vontade da sociedade, expressa pelos usos que ela deseja para o corpo d’água, geralmente sem consideração das limitações tecnológicas e de custos. Em outras palavras o “rio que queremos”, representa uma “visão de futuro” para a bacia.

Em rios com pouca poluição “o rio que temos” pode já apresentar as condições do “rio que queremos”. Neste caso o enquadramento funciona como um instrumento de prevenção de futuras degradações da qualidade da água. Em rios com níveis pouco elevados de poluição, ações de controle das fontes deverão ser realizadas de modo a fazer com que o rio “que temos” se transforme no “rio que queremos”.

Nos rios altamente poluídos a sociedade pode desejar que o rio esteja limpo o suficiente para permitir a recreação e a pesca, apesar de hoje ele possuir um nível de poluição que impede estes usos. No entanto, mesmo se realizando altos investimentos e utilizando a melhor tecnologia disponível, pode não ser possível alcançar os objetivos desejados. Nestes casos os objetivos devem ser revistos de modo a se adequar ao “rio que podemos ter”.

III) O rio que podemos ter


Foto: Virgilio Moreira Monteiro/Banco de Imagens da ANA

O “rio que podemos ter” representa uma visão mais realista, que incorpora as limitações técnicas e econômicas existentes para tentar transformar o “rio que temos” no “rio que queremos”.

Variáveis do Enquadramento

Portanto, o enquadramento é influenciado por aspectos técnicos, econômicos, sociais e políticos. O processo de enquadramento deve considerar todos estes aspectos para que sejam estabelecidas metas de qualidade das águas factíveis de serem alcançadas no horizonte de planejamento estabelecido. Se forem estabelecidas metas muito ambiciosas os custos podem ser excessivamente altos e de difícil realização. Por outro lado, se as metas forem muito modestas, algumas situações de degradação da qualidade das águas podem se tornar irreversíveis, impedindo os usos múltiplos das águas.

É importante ressaltar que o enquadramento é um processo decisório onde estão em jogo a qualidade da água (que condicionam os usos da água), as cargas poluidoras e os custos para redução da poluição. Quanto melhor a qualidade da água desejada, menores devem ser as cargas poluidoras e maiores serão os custos para tratamento de esgotos.

Assim sendo, o enquadramento é um processo que procura garantir padrões de qualidade da água compatíveis com os usos que dela se faz ou se pretende, em equilíbrio com a capacidade de investimentos da sociedade, representada pelos governos e atores envolvidos.

Como a qualidade da água é função da quantidade de água disponível no rio, que varia ao longo do ano (épocas de cheias e estiagens), a seleção da vazão de referência também integra o processo decisório (a qualidade da água será melhor para a vazão média do rio do que para a vazão na época de estiagem se as cargas poluidoras permanecem as mesmas). Por esse motivo, recomenda-se que sejam adotadas vazões de referência (Ex: Qmedia, Q95%, Q80%, Q7,10) ou curvas de permanência dos dados de poluentes monitorados para auxiliar no processo decisório

Sistema de Enquadramento no Brasil

No Brasil é adotado o enquadramento por classes de qualidade. Este sistema faz com que os padrões de qualidade estabelecidos para cada classe sejam formados pelos padrões mais restritivos dentre todos os usos contemplados naquela classe.

A Resolução CONAMA 357/2005 estabelece as classes de qualidade para as águas doces, salobras e salinas.

As águas de classe especial devem ter sua condição natural, não sendo aceito o lançamento de efluentes, mesmo que tratados. Para as demais classes, são admitidos níveis crescentes de poluição, sendo a classe 1 com os menores níveis e as classes 4 (águas-doces) e 3 (águas salobras e salinas) as com maiores níveis de poluição (figura 1).

Estes níveis de poluição determinam os usos que são possíveis no corpo d’água. Por exemplo, nas águas-doces de classe 4 os níveis de poluição permitem apenas os usos menos exigentes de navegação e harmonia paisagística.


Figura 1. Classes de enquadramento e respectivos usos e qualidade da água.

Nas figuras abaixo é apresentada a relação entre as classes de enquadramento e os usos respectivos a que se destinam as águas-doces, salobras e salinas:


Figura 2: Classes de enquadramento das águas-doces e usos respectivos


Figura 3: Classes de enquadramento das águas salobras e usos respectivos


Figura 4: Classes de enquadramento das águas salinas e usos respectivos